Crash
Quando assisti ao filme Crash, no limite, o nome não me chamou muito a atenção. Depois entendi que Crash (batida, choque) que inicia e termina o filme nada mais é do que um soco na consciência. As situações-limites vividas pelos personagens em recortes de cenas individuais que, aparentemente , não têm ligação uma com a outra, nos remetem a questões filosóficas sobre a nossa existência, o ser ou não-ser, o estar ou não-estar no mundo e para quê? O que é a existência? o caminhar sobre a linha tênue dos contrários que está na dialética da vida? E a vida? Que sentido ela nos traz, ou ela não precisa ter sentido, ou ela é senão a interpretação que fazemos dela?
Encontrar um nexo, uma unidade para explicar o sentido do ser e o ponto de passagem do não-ser ao ser e do ser ao não-ser pode nos levar a duas situações: uma, defendida por Junger e outra, por Heidegger. Na visão de Junger, o pensamento deve se situar na fronteira com o nada porque a realidade vai perdendo a sua verdade e talvez seja preciso retornar ao oásis no qual da dor e do perigo pode renascer a esperança, procurando dentro de nós mesmos, transformar a falta em um outro ser; para Heidegger, seria necessário mergulhar e se aprofundar no enigma oculto da existência, repensando o significado do próprio ser e buscar a sua verdade em termos de ausência, de recusa e de subtração.
No filme as personagens são colocadas frente a situações cotidianas que revelam as contradições que vivemos, os nossos preconceitos, a visão que temos do outro e a necessidade de mergulharmos em nós mesmos e repensarmos conceitos.
De tudo isso, creio que a vida, como diz Cecília Meireles, “a vida só é possível reinventada.”. Temos o poder da transformação e podemos refazê-la, talvez colocando cores fortes e marcantes como as de Frida Khalo, imprimindo a versatilidade de um Picasso, a suavidade do impressionismo de Claude Monet ou o surrealismo de Dali.
No mundo há muitas armadilhas F. Gullar
No mundo há muitas armadilhas
e o que é armadilha pode ser refúgio
e o que é refúgio pode ser armadilha
Tua janela por exemplo
aberta para o céu
e uma estrela a te dizer que o homem é nada
ou a manhã espumando na praia
a bater antes de Cabral, antes de Tróia
(há quatro séculos Tomás Bequimão
tomou a cidade, criou uma milícia popular
e depois foi traído, preso, enforcado)
No mundo há muitas armadilhas
e muitas bocas a te dizer
que a vida é pouca
que a vida é louca
E por que não a Bomba? te perguntam.
Por que não a Bomba para acabar com tudo, já
que a vida é louca?
Contudo, olhas o teu filho, o bichinho
que não sabe
que afoito se entranha à vida e quer
a vida
e busca o sol, a bola, fascinado vê
o avião e indaga e indaga
A vida é pouca
a vida é louca
mas não há senão ela.
E não te mataste, essa é a verdade.
Estás preso à vida como numa jaula.
Estamos todos presos
nesta jaula que Gagárin foi o primeiro a ver
de fora e nos dizer: é azul.
E já o sabíamos, tanto
que não te mataste e não vais
te matar
e agüentarás até o fim.
O certo é que nesta jaula há os que têm
e os que não têm
há os que têm tanto que sozinhos poderiam
alimentar a cidade
e os que não têm nem para o almoço de hoje
A estrela mente
o mar sofisma. De fato,
o homem está preso à vida e precisa viver
o homem tem fome
e precisa comer
o homem tem filhos
e precisa criá-los
Há muitas armadilhas no mundo e é preciso quebrá-las.
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