sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Chacal - Dançando com as palavras



Entrevista: Chacal
Postado por Luciano Trigo em 13 de Novembro de 2008 às 23:53

Aos 57 anos, com sua obra reunida no livro Belvedere, o poeta marginal continua dançando com as palavras

“Vai ter uma festa / que eu vou dançar / até o sapato pedir pra parar. // aí eu paro / tiro o sapato / e danço o resto da vida”. Se a festa de Chacal é a poesia, de fato ele nunca parou de dançar - com as palavras.

Em 1971, quando tinha 20 anos e estudava Comunicação Social na UFRJ, Ricardo de Carvalho Duarte lançou seu primeiro livro, Muito prazer, Ricardo, em cem exemplares mimeografados, distribuídos de mão em mão. Marcado pela leitura de Oswald de Andrade e buscando uma forma de expressão libertária em meio à atmosfera sufocante do regime militar, ele falava seus poemas nos bares, na praia, nas portas dos teatros, onde desse e houvesse alguém para ouvir. A “geração mimeógrafo” que ele capitaneou logo foi reconhecida, inclusive no meio acadêmico, como um vigoroso movimento de renovação estética, conhecido como Poesia Marginal. Em meio a um processo de generalizado desbunde, ensaístas como Heloisa Buarque de Hollanda (que editou a decisiva coletânea 26 poetas hoje) deram seu aval ao grupo - que incluía poetas talentosos como Cacaso, Francisco Alvim e Ana Cristina César - e contribuíram para amplificar sua voz. Mesmo sem recursos, sem editoras, com livros produzidos artesanalmente em tiragens minúsculas, eles alcançaram, ao longo dos anos 70, uma reverberação impressionante, que (para o bem e para o mal) se renova a cada geração de novos poetas, embora o contexto seja hoje muito diferente.

Pouco depois da estréia, Chacal teve um poema incluído incluído na antológica revista Navilouca, editada por Torquato Neto e Waly Salomão. No ano seguinte, tentando juntar dinheiro para viajar para Londres, lançou o segundo livro, adequadamente intitulado Preço da passagem. Mais tarde vieram, entre outros, América (1975), Nariz Aniz (1979), Boca Roxa (1979), Comício de Tudo (1986), Letra Elétrika (1994) e A vida é curta pra ser pequena (2002). No meio do caminho ele participou do grupo Nuvem Cigana, escreveu peças de teatro (em parceria com os grupos Asdrúbal Trouxe o Trombone e Manhas e Manias), letras de música (para a Blitz e o Barão Vermelho), etc etc etc. Recentemente, a editora Cosac Naify lançou sua obra completa, Belvedere (384 pgs. R$59) - que, naturalmente, já estava incompleta mal chegou às livrarias. Sinal dos tempos: a poesia marginal em edição de luxo.

Mas o poeta continua viajando, Brasil adentro, colocando poesia para fora (ou vice-versa), buscando vazios, cada vez mais raros, para ocupar. A poesia de Chacal continua ágil e desregrada, alegre e inventiva, livre e irreverente: palavras que saem da solidão do papel para cair na vida. Poesia propriamente dita, mesmo quando impropriamente escrita. Chacal escreve como quem brinca.


Ferreira gullar e Luz, do Chico Alvim

G1: Que poetas e poemas marcaram a sua formação?

CHACAL: Os poetas: Oswald de Andrade, Bob Dylan, Allen Ginsberg, Ferreira Gullar, Manoel de Barros, Drummond, Bandeira, Cabral, Waly Salomão, Torquato Neto, Chico Alvim, Cacaso, Charles Peixoto, Caetano, Chico, Gil, Rita Lee, Noel Rosa. Os poemas que mais li: Faca só lâmina, de João Cabral, Ode Triunfal, de Álvaro de Campos, Nasce o Poema, de Ferreira Gullar, e Luz, do Chico Alvim.

G1: Você estreou aos 20 anos, com os cem exemplares mimeografados do livro Muito prazer, Ricardo. Qual é a diferença entre ser poeta nos anos 70 e ser poeta hoje?

CHACAL: Em 70, tudo era novidade e urgência. A informação circulante era infinitamente menor. Hoje, embora o impacto seja menor, o tempo para a leitura e a calma necessária para depurar um poema são maiores.



G1: Por que você acha que as coisas hoje reverberam menos que nos anos 70, embora não faltem poetas de qualidade?

CHACAL: A poesia não é uma mercadoria, não tem valor numa cultura de mercado. As pessoas estão mais preocupadas em ganhar e gastar dinheiro. Eu procuro jogar o jogo e me divertir, na medida do impossível. Não é fácil. Não aceito as regras do jogo.

G1: Você já usou a imagem do espantalho e do agrotóxico para explicar a dificuldade de se produzir uma cultura de contestação hoje…

CHACAL: O espantalho é o inimigo à vista. Um alvo fácil e meio trapalhão, como era a ditadura militar. Hoje o mercado é uma espécie de agrotóxico que introjeta o veneno dentro de cada um. Quem é e onde está o inimigo? O sistema, com seus requintes, seus disfarces, é super competente, mega-divertido, ultra-cruel e suicida. “Para a catástrofe, em busca da sobrevivênvia, vivemos”, escreveu Murilo Mendes.



G1: Como deve ser a relação entre o Estado e a cultura?

CHACAL: Deve ter a simples percepção de que arte é renda e trabalho. Mas acima de tudo, educação. Se a arte não educa, tem o valor de mercado, e só. Se educa, é arte. Da mesma forma que a educação, que ensina a pessoa a ver no escuro, é a mais refinada arte. Creio que é hora de retormar o Mec como Ministério de Educação e Cultura e trabalhar com essas matérias siamesas de uma forma integrada. Arte nas escolas, com certeza, diminuiria muito a evasão dos alunos. Deixar eles se expressarem criativamente, para elaborar as informações variadas que recebem na escola, na rua, em casa, na vida. Assim se faz o aprendizado.

G1: Com quem você dialoga hoje? Para quem já dialogou com Wally Salomão, Torquato Neto e Hélio Oiticica, o mundo não parece ter ficado mais pobre de artistas/intelectuais viscerais?

CHACAL: Dialogo com a garotada do Centro de Experimentação Poética – o CEP 20.000. Dialogo com a galera da Praça Roosevelt, em São Paulo. A vida avança, os contextos mudam. É preciso estar de antena atenta. Mas Fausto Fawcett, Tom Zé e tantos outros estão vivos, muito vivos e bem dispostos.

G1: O que acha da poesia concreta?

CHACAL: A poesia concreta verticalizou o horizonte prolixo da tradição poética canarinha.

G1: Como você enxerga o futuro da palavra, da literatura, da poesia? Ele passa pela internet?

CHACAL: Acredito que acabou o tempo dos especialistas. De agora em diante, criadores para os cinco mil sentidos. Via internet. Edição de sons, textos e imagens. Tudo integrado como um circuito. Não paramos de ouvir para ver, nem de cheirar para tocar. Enfim, uma arte envolvente como um edredon de lâminas acústicas e lágrimas chocantes.

G1: Que importância você atribui à publicação de sua poesia completa no volume Belvedere? O que virá depois da poesia completa?

CHACAL: A importância, pra mim, foi ver que os 36 anos que o livro percorre têm uma identidade e me dão prazer. E por enquanto basta!

G1: Para que serve a poesia hoje?

CHACAL: Para te fazer dormir e sonhar.
http://colunas.g1.com.br/maquinadeescrever/

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