quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Carlos Drummond de Andrade

Estava agora há pouco fazendo algumas leituras sobre políticas de promoção social e me lembrei das visitas que fiz a algumas instituições em Teresina que prestam serviço na área da Assistência Social, como a Casa Dom Barreto e a Fazenda da Paz. Fiquei pensando na nossa pequenez como seres humanos, o quanto somos egoístas quando imaginamos que estamos acima do bem e do mal e que os nossos problemas são sempre maiores do que os dos outros. Imaginar que aquelas pessoas assistidas através desses programas de assistência sequer têm alguém que olhe para elas, que lhes dê carinho e que as veja como seres humanos. Quando nos deparamos com a vida real, com as várias faces da vida, é que percebemos o quanto somos pequenos.Mas percebemos,também, que nós podemos mudar, se quisermos e se estamos prontos para enfrentar os desafios. Pensar nas nossas relações com o outro é pensar em nós como seres humanos, que temos medos, necessidades, vontades, desejos e que não custa nada dar um pouco de amor, de afeto, de carinho e ajudar aqueles cujas vozes não são ouvidas. Acho que o fundamento de tudo isso está no amor no seu sentido mais amplo. Não que o amor possa resolver todas as mazelas e problemas desse mundo, mas, certamente, é na nossa relação com o outro que podemos encontrar uma saída. Foi assim que pensei no Drummond e nas suas palavras sábias. Os poetas sempre estão além de nós. Que a poesia esteja sempre presente nas nossas vidas!

"A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade."
Carlos Drummond de Andrade

Os Ombros Suportam o Mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
Carlos Drummond de Andrade

"Se procurar bem você acaba encontrando.
Não a explicação (duvidosa) da vida,
Mas a poesia (inexplicável) da vida."
Carlos Drummond de Andrade

As sem-razões do amor

Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
Carlos Drummond de Andrade

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