quarta-feira, 2 de julho de 2008

COMO APRENDI A LER

Em 2005 fiz um curso chamado Ambiência de Leitura, em São Paulo. Era direcionado para uma equipe de professores de Língua Portuguesa. No Módulo Aquisição da Leitura, após estudarmos vários autores e alguns textos de nossos escritores falando das suas experiências de leitura e de como aprenderam a ler, a professora pediu que cada aluno escrevesse um texto contando como aprendeu a ler. Esses textos participaram de um fórum online com os integrantes da turma. Foi uma experiência e tanto. Lembro que alguns colegas relataram verdadeiras tragédias para aprender a ler e outros não tiveram tanta dificuldade, como foi o meu caso. Fiz o meu relato e enviei Pena que eu não tirei nenhuma cópia, nem com o rascunho fiquei. Sou dona disso. Escrevo e depois jogo fora. Ontem, ao me lembrar desse evento, pensei em reescrever o texto. Não sei se vou conseguir o mesmo êxito, mas vou tentar.

E assim eu aprendi a ler

Era um povoado no interior do Maranhão. Chamava-se Pé do Morro, hoje transformado em cidade com o nome de Governador Luiz Rocha. Na época não havia luz elétrica, nem água encanada, nem asfalto e devia ter uns três automóveis. A Escola funcionava em um galpão, onde três professoras dividiam o espaço para dar aulas. Meu pai, um homem de poucas letras (só estudou até a segunda série do primário) gostava de contar histórias, ouvir Luiz Gonzaga, Noca do Acordeon, Os Três do Nordeste, Ataulfo Alves, e a Radio Nacional de Brasília para saber notícias. Gostava de ouvir Cordel e, mesmo na sua ignorância ,sempre achou que a Educação é a coisa mais importante para os filhos e tinha o sonho de vê-los formados. Para isso, não media esforços. Minha mãe cuidava da casa e dos filhos – éramos quatro irmãos - Hoje somos nove. Era uma excelente contadora de histórias infantis. Estudou até a quarta série do primário,mas foi quem nos ensinou a fazer contas – ela fazia contas de cabeça, sabia a tabuada de cor – e nos ajudava nas tarefas de leitura.

Eu devia ter uns cinco anos. Meu irmão mais velho já freqüentava a escola e eu acordava todos os dias bem cedo para vê-lo sair com a professora. Ela passava na nossa casa e o pegava. Era caminho para a escola. Eu ficava chorando porque queria ir e ela sempre dizia que eu era muito novinha. Ficava em casa olhando os livros, brincando com os irmãos menores e ouvindo minha mãe cantar enquanto fazia o almoço. Ela canta muito bem. Um dia a professora resolveu me levar pra escola e foi um dia muito feliz. Cheguei em casa e pedi a minha mãe pra comprar uma carta de ABC. Meu pai tratou logo de providenciar, comprar a minha farda, cadernos de caligrafia e livros de histórias infantis. Na minha casa tinha muitos livros do folclore da região. Gostava de ouvir minha mãe contar a lenda do Uirapuru, da Vitória-régia, do Saci-pererê, do Bicho Folharau e outros. Ela sempre fazia isso à tarde depois do almoço ou à noite, depois do jantar. Ela reservava umas duas horas para nos ensinar. Logo eu aprendi a carta de ABC. Lembro que a minha mãe furava um buraco no papel e colocava em cima das letras pra saber se a gente já sabia tudo de cor. Passei para a Cartilha, que era o meu desejo. Tinha muitas figuras e em cada página tinha uma letra que era ilustrada por uma figura, e uma quadrinha tipo “Vivi viu a Ave” na letra A. Não demorei muito a aprender a cartilha. Todos os dias, ao voltar da aula, eu queria logo dar a lição pra minha mãe e sobrar tempo pra brincar. Mas minha mãe não abria mão do horário. Após o almoço, sentávamos ao redor da enorme mesa de jantar e ela pedia que a gente ( eu e meu irmão) repassasse a lição do dia pra ela e depois a gente fazia a tarefa. Aos seis anos, eu já sabia ler e escrever muito bem e meu pai trazia da cidade os romances de cordel para eu ler. Ele reunia os amigos à noite e fazíamos um recital de cordel à luz do candeeiro que ficava na janela. Minha mãe preparava uma panela de milho verde cozido ou preparava um café com bolo de tapioca para as visitas que iam me ouvir. Era o orgulho do meu pai. Depois eles ficavam contando histórias e nós ( as crianças) íamos brincar de roda nas noites de lua clara e bonita.

Terminado o primário, meu pai resolveu nos mandar pra cidade e fomos morar – eu e meu irmão – na casa dos meus padrinhos ,que eram pessoas muito conhecidas e importantes na cidade. Um dia remexendo um baú velho, eu e a Valda, filha do meu padrinho, descobrimos que ele era o Papai Noel da cidade.. Na cidade, fiquei fascinada pelas revistas – só tinha uma banca de revista– e todo o meu dinheiro da mesada era empregado nas revistas com fotonovelas. As minhas preferidas eram: Sétimo Céu , Capricho e Grande Hotel. Ainda hoje me lembro dos atores Katiúscya, Michela Vick,Jean Mary Carleto e Paola Pitti. Lia tudo. Na casa dos meus padrinhos se ouvia muita música: Roberto Carlos, Waldick soriano, Luiz Gonzaga., Silvinho, Marlene. Comecei a copiar as músicas para cantar. Cantava no banheiro e quando ia dormir me embalando na rede. Tinha um caderno especial só de músicas. Quando retornava para a casa dos meus pais, nas férias, eu embalava os meus irmãos menores, pra dormir, cantando as músicas. Na Escola nova, passei em primeiro lugar no exame de admissão e ingressei no ginásio. Era uma Escola de Freiras. Gostava das aulas de Português e de História. A História da Grécia era a minha preferida. Sabia o capítulo quase de cor, parágrafo por parágrafo. Era um livro de capa dura do Borges Hermidas. (Acho que era esse o nome do autor). A professora de Português que gostava de me ver recitando poemas que eu encontrava no livro de Português – eu fazia isso no intervalo das aulas em cima da carteira - me deu um livro que era uma seleção de textos em prosa e de poemas de vários autores clássicos. Ainda hoje sei de cor a primeira página que era parte do primeiro capítulo do livro Iracema, de José de Alencar. E foi assim que a leitura e a música entraram definitivamente na minha vida. Marlene.

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